domingo, 5 de abril de 2015

Fortaleza: Diário de bordo em uma viagem no articulado teste

(Texto publicado originalmente em Fortalbus.com no dia 19/02/2014)

O dia 17 de fevereiro de 2014 foi de muita expectativa e também  um marco para o transporte fortalezense. Depois de 14 anos, usuários puderam, enfim, se deslocar à bordo de um ônibus articulado operando em linha regular. O fascínio era notório desde o primeiro contato visual com o veículo, atraindo as atenções de todos aqueles que cruzavam por ele pelas ruas. Este é um relato de minha experiência durante uma viagem na linha 041 - Parangaba/Oliveira Paiva/Papicu, cujo ônibus se encontra realizando testes.


Através de informações de colegas de hobby, soube que o ônibus estava com atraso médio em 1h20min - o que desestruturou por completo os planos de quem pretendia dar uma volta com base nos horários divulgados em grupos de discussão. Mesmo de posse dessa informação, fui ao Terminal da Parangaba por volta das 18h30 da última segunda-feira para ter a oportunidade de conhecê-lo de perto.

Ao me informar com fiscais sobre a previsão de horário, um deles afirma que o articulado chegaria às 19h08. Entretanto, o outro fiscal reforçou o atraso, ponderando que ele não cumpriria a viagem no prazo estipulado. Mesmo assim, aguardei-o, já sabendo da longa espera que já estava se iniciando. Eis que o grandão chega ao terminal às 19h11, três minutos após o previsto. Para quem estava com atraso equivalente à meia viagem, surpreendeu. 

Era chegada a hora! Nunca havia tido a sensação de andar em um articulado na própria terra. Lembro-me de ter visto os finados da CTC, há muito tempo atrás, ainda criança. Só olhado. Já passei pela experiência, mas em outras cidades. Em Fortaleza seria a primeira vez. Vamos nós!   

Como afirmado, o ônibus chama a atenção. Convém destacar que a linha 041 é extensa e abrange regiões periféricas e centrais. No sentido Papicu, primeiro vem os bairros mais distantes, como Serrinha, Passaré, Boa Vista e Castelão. Nas calçadas, os moradores costumam ter o hábito - cada vez mais raro, devido à insegurança - de conversar na calçada. Lanchonetes e churrasquinhos também são comuns. 

Quando passa o articulado, todos paravam para vê-lo. Acompanhavam de uma ponta à outra. Dedos admirados eram apontados em direção ao veículo. Seguia-se os comentários. Muita gente na casa dos 40 anos. Certamente, deveriam estar se recordando dos "sanfonados" da CTC, que um dia já foram seus contemporâneos. Também havia jovens, movidos à curiosidade e com alto nível de desejo por veículos automotores (estou sinonimizando os carros, evidentemente), que não deixavam de externar suas mais profundas vontades automobilísticas enquanto a majestosa composição seguia viagem.

Dentre essas reações, uma em especial me chamou a atenção. As pessoas abriam um sorriso, elas riam. O que isso significa? Me desprendo de toda interpretação pejorativa e óbvia que cerca esta reação, e que, em parte, tem a ver com o discurso de ódio de setores da sociedade que ignoram a valorosa história e contribuição do nordestino para o país. Sim, os sorrisos!

É sabido que o transporte está passando por transformações. Em outros lugares, essa mudança já é rotina. Apesar do atraso significativo de Fortaleza, acredito que a mudança por aqui está em fase embrionária. Antes embrião do que nada. Os articulados carregam consigo toda a concepção de modernidade e eficiência que sempre deveria ser o mote do transporte urbano de passageiros. Uma realidade que é distante para muitos, mas que não é impossível de vivê-la. Essa concepção se traduz no sistema que dá prioridade ao ônibus e credibiliza o cidadão a utilizá-lo para os seus afazeres diários.

Os sorrisos podem ser entendidos em duas partes: um, a simples admiração pela beleza do ônibus, pela novidade, pelo inusitado, e por ter possibilidades escancaradas de acesso, visto que é um público que depende majoritariamente desse meio de condução. Dois, desdobrando essa possibilidade, vem o discurso do incentivo ao transporte coletivo em detrimento do individual. Essas reações são as mais positivas de todas, pois, ao menos, conseguiu transmitir o mínimo de credibilidade ao cidadão (até mesmo quem estava dentro de seus carros não deixavam de admirar), devido ao porte do articulado, capaz de transportar mais pessoas e em menos tempo, se adequado aos corredores exclusivos.

Quanto ao seu desempenho, não havia curva ou rua em que ele não abrisse passagem. Somado à perícia e destreza do motorista, a viagem seguiu sem maiores entraves no trânsito. Aliás, o articulado em si não trouxe transtorno algum, no momento em que pude conferir. Apenas um acidente no cruzamento da Oliveira Paiva com Washington Soares deixou o fluxo lento. Mesmo em ruas onde haviam carros estacionados dos dois lados da pista, próximo ao cruzamento - o que é um absurdo mesmo para os convencionais, o articulado passou pela prova de fogo com maestria. Vale ressaltar o "respeito" que possui o possante. Em cruzamentos onde a preferencial não era a do ônibus, rapidamente os motoristas, tanto de carros como de coletivos, davam passagem. Coisa rara na cidade.

Fim de viagem. Fim de relato. É mesmo um relato? Sim, é. A abordagem sobre o desempenho do articulado não merece o devido aprofundamento porque isso nunca foi novidade para Fortaleza. Antes de mais nada, o foco deve se ancorar no valor e potencial humano do transporte, entendido como qualidade de vida e fator de desenvolvimento das cidades, tal como foi exposto aqui e que, espero, sejam tiradas reflexões acerca do fato para as mudanças que estão por vir no futuro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário